quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Lágrimas sujas no bordel vermelho mais próximo.

Ela se olhou no espelho arrasada pelo desgosto, suja pela maquiagem, borrada pelas lágrimas salgadas. Sentia-se amargurada e podre por conta de todos os toques, todos os beijos recebidos à força e com repulsa, toda aquela porra diferente e se juntando e invadindo o colchão, sujando sua cama, seus lençóis, seu corpo, seu verdadeiro nome já esquecido, sua dignidade. Estava cansada de tudo aquilo; dos velhos gordos e ricos de terça, dos bêbados que se achavam donos, dos jovens virgens e tímidos. Do patrão que não se satisfazia como os poucos clientes que ainda se satisfaziam com ela, das colegas que se embebedavam e gritavam e exclamavam como estavam se dando – com o perdão do trocadilho – bem com essa vida.
“Com esse corpo, minha filha, qualquer uma consegue... não precisa nem de vontade!” comentava, religiosamente, a mais velha da casa e ainda ativa após todo expediente. Mas ela sabia que não era verdade, tudo aquilo era só uma questão de sobreviver a toda aquela pressão psicológica e moral. As mesmas velhas desculpas, mas nem sempre as mesmas esperanças. As mesmas histórias (verdadeiras ou não) de como vieram para ali, porém quase sempre o mesmo fim, só algumas se salvariam. Umas queriam seu próprio bordel e a maioria esperava reencontrar aquela grande coisa importante chamada amor, tanto o próprio ou o alheio, aquilo que conviesse.
Enquanto ela se debulhava em lágrimas desesperadas, ainda se olhava naquele espelho rachado e empoeirado, ainda tentava encontrar aquela garota que há muito tempo havia se esquecido, trancada na caixa vermelha e deixado em algum canto sujo daquela antiga casa dos pais onde só existia a falta de amor e adoração a um espírito. Ela só encontrava rugas em toda a cara que, com toda aquela poeira, só aparentava mais velhice. Passou a mão nos fios brancos que apareciam no meio daquela cabeça-vermelha-tingida. Deu-se conta que o tempo a devorara mais rápido que qualquer imbecil virgem que já encontrou em suas noites. Perguntou-se onde estava aquele amor que estava procurando/esperando – em vão? – todo aquele tempo que estava abrindo portas e pernas para estranhos que invadissem suas entranhas e tivesse, ao menos, um pouco de esperança para que a levassem dali, mas apenas recebendo pouco dinheiro, tapas e xingamentos antes das ejaculações nojentas na cara.
Pensou no seu passado e lembrou-se daquele rapaz do colégio que a iludiu, a deixou apaixonada pela primeira vez e tornou tudo colorido pouco antes de tornar tudo – e pra sempre – cinza e frio. Rasgando sua inocência e virgindade em pedaços. Lembrou-se de quando chegou em casa, aos prantos, desabafando da pior experiência da sua vida, derramou suas lágrimas e tentou expulsar a tristeza para seus pais que friamente a espancaram, a reprimiram e a ofenderam de todos aqueles terríveis nomes que só ouvia quando o pastor referia-se aos infiéis. De todas aquelas pauladas e ofensas, a que causou uma ferida aberta foi quando seu pai lhe deu o último soco no estomago, todo suado e vermelho de ódio, e disse bem alto pra que sua memória nunca mais apagasse: PUTA!
Não pensou duas vezes depois de seu corpo parou de doer, suas lágrimas secarem e seu coração virasse cinzas e jogou seus dois vestidos e suas duas calcinhas dentro de uma sacola e meteu o pé na estrada. Puta, pura. Pura puta. Aquilo gravou em cada centímetro do seu corpo, da sua alma.
Seu primeiro cliente foi um caminhoneiro que a abordou dois dias depois, pegou em sua mão cariosamente e disse com o maior cheiro de esgoto em sua boca, suas palavras “Quer ser minha puta, pequena?”. E foi. Tinha 16 anos, fora abandonada, agora era Puta.
O caminhoneiro com cheiro de lixo a deixou em uma casa vermelha de beira de estrada onde uma velha, entupida de plumas e maquiagem e cigarros, a acolheu, deu seu ombro para choro e perguntou se era isso mesmo que ela queria da sua vida. “Já não tenho mais inocência, mais família, mais amor e se fui espancada por perder a dignidade e ser chamara de puta então puta quero ser”, disse com o peito cheio. A velha cuspiu no chão uma gosma verde e lhe deu um sorriso amarelo e aquela voz quase tão acabada quanto ela disse “Seja bem vinda!”
Nas primeiras semanas se apaixonou por todo homem que enfiava seu pau naquela boceta ainda nova, ainda apertada, ainda molhada. Achava que a qualquer momento alguém atravessaria a velha porta marrom e a levaria daquele lugar pra sempre. Trinta anos depois, incontáveis picas à dentro depois, várias e várias promessas falsas depois, ainda estaria ali esperando a porta velha se abrir. Sentada em frente ao espelho rachado e empoeirado, chorando de nojo, de solidão, de falta de amor, de inveja de todas aquelas novatas que foram salvas, de ainda esperança.
Ela sabia que não haveria mais esperanças pra ela, mas acreditava. Já estava velha de mais, já exagerava na maquiagem, nos cigarros, na bebida, na esperança, nas lágrimas. Até mesmo os pelos da sua boceta tinha caído. Sua pele ficava cada vez mais flácida. Amarga, suja, velha. Não tinha mais tempo nem mesmo para suas lamentações, suas lágrimas salgadas, sua maquiagem borrada. Apenas tinha tempo para um banho e voltar a dar sorrisos falsos para os velhos-gordos-porcos-ricos de terça-feira e – mesmo assim – havia uma ponta de esperança de ir embora do inferno, mas ainda tinha que abrir as pernas e sorrir.

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